quarta-feira, 27 de julho de 2016

Os Carcanhá

Sugestão de título - Janaina Sbroglio
Autoria do texto - Marilia Bavaresco

Praia, sol, verão e os amigos reunidos. Todos aguardando a chegada de Luana com o seu namorado desconhecido, tão elogiado por ela que todos imaginavam um verdadeiro príncipe.
Luana era a filha de um fazendeiro de fumo decadente de Criciúma, que apesar de não ter mais o dinheiro de outrora, ainda ostentava e agia como uma milionária. Tudo tinha que ser meticulosamente combinado, de marca cara e
estar na última moda. Mas era uma boa pessoa apesar da empáfia.
Só havia uma coisa que a deixava fora de si: erros de português. Ela não conseguia se controlar, corrigia a pessoa na cara dela e já havia perdido muitas amizades por conta disso. Era muito mais forte do que ela podia controlar.
Naquele dia ela era aguardada ansiosamente na beira da praia do Rincão. Se ela estava namorando, a pessoa devia ser muito requintada, porque Luana Smith não se interessaria por qualquer um.
Quando eles chegaram na praia, Luana estava muito elegante com uma saída de banho exclusiva, um chapéu maravilhoso e sandálias de praia lindíssimas. 
Mas os olhos todos se voltaram para a pessoa que a acompanhava. Leonel era alto, bonito, moreno, tatuado e tinha uma prancha embaixo do braço. Se apresentou a todos e fincou a prancha na areia.
O tempo passou e estavam conversando animadamente, mas Leonel era constantemente interrompido por Luana. Não conseguia concluir uma frase, nem dar algum palpite em algum assunto sem que ela o interrompesse ou tentasse acabar o assunto por ele. 
A impressão era de que Luana estava ansiosa demais, e os amigos relevaram a situação. 
Lá pelas tantas, depois de algumas caipirinhas e cervejas, Leonel começou a se soltar e conversar mais e mais, até que tomou conta da roda. Começou a contar piadas e situações, fazendo todo mundo rir. 
Luana estava amuada. Foi se fechando conforme Leonel foi se fazendo perceber. Foi quando ele saiu com a pérola:
- ... e a gente estava na praia, dentro da água, quando eu senti uma fisgada nos "carcanhá". E doeu muito...
Fez-se um silêncio mortal. Todo mundo olhou para Luana esperando a correção que ela certamente faria. Ela estava lívida, branca, não falou nada e nem olhou para ninguém.
E Leonel continuou:
- Quando cheguei em casa, olhei meus "carcanhá" e tive que fazer curativos neles. Os cortes nos "carcanhá" eram muito fundos e provavelmente foi um caco de vidro.
Luana continuava com seu nariz empinado, olhando ao longe, impassível. E todos que a conheciam estavam admirados por ela não ter sequer esboçado a intenção de corrigi-lo. Ah! O amor transformara aquele coraçãozinho de pedra. 
O clima amenizou, continuaram conversando e era "carcanhá" pra lá e "carcanhá" pra cá, regados a muita gargalhada. Leonel não entendia o motivo de acharem tanta graça, mas gostou e estava se sentindo o próprio artista de stand up.
Despediram-se no final da tarde e prometeram se encontrar na outra semana no mesmo local.
Passou esse período e no domingo estavam todos aguardando a chegada do casal Luana e Leonel. Apesar dos "carcanhá" ele tinha sido muito divertido. Gostaram dele. 
Só que Luana chegou desacompanhada. Pelo olhar dela, entenderam que Leonel havia dançado. Ela nunca falou do seu ex, nem dos erros de português, nem de onde tinha surgido e para onde tinha ido o tal Leonel. 
Ela continua circulando pela sociedade Criciumense, com o nariz arrebitado, sempre muito bem arrumada, corrigindo os incautos quando erram na concordância ou na gramática. 

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