quinta-feira, 4 de agosto de 2016

A Família Que Tinha Gases

Sugestão de título - Marco Arsego
Autoria do texto - Marilia Bavaresco

Numa cidadela do interior riograndense vivia uma família numerosa. Moravam todos numa pequena vila separada das demais casas do lugar, porque estranhamente todos os nascidos sob aquela genética tinham um problema de gases. 
Não era um problema qualquer, contornável e comum. Os gases que eles emitiam eram silenciosos, inodoros e faziam as pessoas ao redor dormirem. Em média cada um deles soltava mais de quinze "puns" por dia (nunca menos que isso), capazes de adormecer todos à sua volta, menos eles mesmos.
Portanto, decidido pelas lideranças do lugarejo, eles receberam aquelas terras e se comprometiam a não socializar muito, exceto o convívio que fosse estritamente necessário.
Quando precisavam de atendimento médico, no hospital os funcionários já sabiam e usavam máscara de oxigênio. As crianças da família em idade escolar tinham uma professora que ia ao vilarejo, devidamente protegida, dar as aulas para que eles pudessem estudar. Adaptações assim tornaram a convivência com os demais cidadãos minimamente possível.
Entretanto vários acontecimentos sinistros e até engraçados ocorreram por conta da família que tinha gases. 
Conta-se que no casamento da filha mais velha da família, a noiva não conseguiu conter sua flatulência no altar e de tanto segurar para o noivo de fora da cidade não descobrir, veio tudo duma vez. Todos que não eram familiares dormiram na igreja. Resumo da história: ela ficou sem marido, enlouqueceu e anda até hoje de preto como se estivesse de luto.
Outro fato curioso foi o dia em que um dos filhos peidorreiros pegou uma carona até o centro da cidade, e, sem conseguir conter o flato pôs o motorista para dormir. Resultado: bateram o carro numa agropecuária. Os bichos que não morreram com o choque, fugiram, dando um imenso prejuízo para a família que teve que pagar pelos danos ao carro e à loja.
Certa feita um dos filhos adolescentes, portador do gás sonífero resolveu que queria viajar e foi denunciado anonimamente. Quando ia embarcar no ônibus rumo à capital, foi preso. De susto não conteve a bufa fazendo dormirem os passageiros, o motorista e os policiais. Foi a pé para casa, resignado, e nunca mais tentou ir embora.
Entre tantas histórias eles chamaram atenção da mídia sensacionalista e, não acreditando naquilo que via nos veículos de comunicação, um cientista resolveu visitar a família e o seu estranho caso gasoso.
Como iria passar uns dias junto deles, o estudioso usou máscara de gás, coisa natural para todos os integrantes.
Depois de muito analisar amostras de fezes, receitas comuns nas refeições, rotina dos familiares ele descobriu que todos os dias, desde que nasceram, os pais e todos os filhos tomavam um copo de leite de porco. Sim, leite de porco. Diziam que fortalecia o corpo e era costume dos antigos. 
Quase certo de que havia descoberto o motivo da sonolência causada pelos gases da dita família, ele entrou em acordo com todos que no dia seguinte ninguém tomaria o seu copo de leite  de porco matinal. E se alguém precisasse soltar um pum, devia chamá-lo e ele ficaria sem máscara perto para ver se sua tese se comprovava.
Infelizmente não deu certo. No primeiro traque, o cientista apagou e acordou horas depois, com a máscara na cara e um clima de desesperança ao seu redor.
Mas ele era resiliente e insistente. Passaram-se alguns anos e o cientista continuava pela cidade, só que muito feliz e faceiro. Inclusive havia se casado com a filha do meio daquela família. 
Depois daquele dia em que ele não conseguiu comprovar sua teoria, fez outros testes, muitos para dizer a verdade e descobriu o potencial combustível daqueles gases. Criou uma espécie de calça com compartimento que possibilitava não só armazenar os ventos intestinais, como propiciava o convívio com as outras pessoas. No final de um dia inteiro, os integrantes da família trocavam de compartimento e despejavam seu produto cuidadosamente em balões de gás, posteriormente comercializados.
Hoje eles moram na cidade, muitos estão casados e ricos por conta da venda do produto deles para a indústria substituindo gasolina e óleo. O único problema é que os filhos de um gaseificado com um não gaseificado geram um bebê sem gases mas que vomita ácido. Mas enfim, isso já é outra história.

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