terça-feira, 9 de agosto de 2016

Aquele Momento Em Que Somem Todas As Palavras

Título sugerido por Aline Fagundes. 
Texto redigido por Marilia Bavaresco.


Luiza andava a esmo, cabisbaixa pela beira do lago da Redenção. Havia algum tempo que sentia um aperto no peito, uma sensação de sufocamento muito forte.

Os últimos meses não tinham contribuído para o seu estado de espírito. Ao contrário, muitas perdas, algumas trágicas, problemas pessoais se acumulando, tudo deixando os seus dias mais cinzentos, mais pesados.
O dia estava abafado, nublado e silencioso, apesar dela estar no parque em meio a cidade. Colocou o Concerto 21 de Mozart para ouvir com fones de ouvido. Ali parada, observando o lago e o nada, começou a relembrar os fatos recentes: a perda da mãe, o coma do pai, o assassinato do marido, a briga com o irmão, a doença do seu cachorro Pilha que resultou em eutanásia, o rebaixamento de cargo no escritório devido ao seu baixo rendimento... estava tudo muito complicado. Mesmo.
Para que viver assim? Que bobagem aquela de que a cruz não é maior do que a força para carregar? Ela não aguentava mais. Ela não acreditava mais em nada. As poucas forças que outrora tivera já haviam sucumbido.
A decisão estava na sua mão. Um pequeno vidro que poderia em poucos segundos pinçar todas as dores, todas as dificuldades e colocá-la para dormir eternamente. Seria muito fácil! Talvez sentisse um pouco de dor, mas acabaria logo. 
Na adolescência conturbada pensara na hipótese de suicidar-se muitas vezes, marcava datas e quando se aproximavam, fingia para si mesma um esquecimento e tocava adiante. Agora era diferente. Agora tinha motivos. Ou pior, não tinha mais motivos para continuar vivendo. Não tinha ninguém, não tinha amigos, nem filhos, seu pai jamais acordaria, seu único irmão cortara os laços definitivamente depois do último encontro, nem um vasinho de flores ela havia cultivado na sua vida, emprego só para sobreviver mesmo... nada. Vazio. Inutilidade. Invisibilidade. Não faria falta. 
Sentou-se no gramado e dali podia ver os pedalinhos de cisnes, alguns no lago com namorados e famílias, rindo, brincando, fazendo manobras... mas nada disso a reanimava. A esta altura já tocava a Dança Húngara nº 5 de Brahms.

Abriu o vidrinho, pegou a água mineral pela metade na mochila e pensou que logo encontraria sua mãe, e juntas esperariam seu pai na eternidade. Lágrimas quentes começaram a rolar pela sua face. Ficou parada alguns instantes, encostou-se na árvore e bebeu tudo num gole só. Sem medo. Sem pestanejar.
Nesse mesmo momento o celular vibrou. Ela já estava sentindo um calor, um entorpecimento e conseguiu ver que era mensagem do seu irmão que assim dizia: "Me perdoa. Estou indo aí, vamos conversar. Te amo minha única irmã."... e ela tentou ligar, ele atendeu mas nesse momento sumiram todas as palavras, o céu ficou mais brilhante, e ela dormiu menos triste do que antes. Para sempre.
Do outro lado, o irmão ouvia apenas risadas ao longe, passarinhos e farfalhar de folhas.
Luiza foi encontrada horas depois por um guarda do parque que, mais tarde, contou ao irmão que ela parecia dormir de fato, sorrindo com o telefone na mão.





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