quarta-feira, 24 de agosto de 2016

Coração de Menina

Sugestão de título - Tatiana Rosa
Autoria do texto - Marilia Bavaresco


Dona Leocádia não era uma vó comum. Ela amava muito os netos, mas não fazia deles a sua prioridade de vida. Para ela, o mais importante era manter-se saudável, com a cabeça boa para não incomodar ninguém. Um ideal que ela perseguia com afinco.
Sendo assim, uma vez por mês, além de suas atividades que eram muitas, ela ia no baile para terceira idade. Neste dia ela se maquiava, se arrumava e parecia uma garota de quinze anos, tinha um verdadeiro coração de menina.
Num desses dias de baile, durante a tarde, Dona Leocádia recebeu uma ligação:
- Alô? Eu gostaria de falar com a Dona Leocádia.
- Quem gostaria?
- Nestor. Diga que é o Nestor.
- Ela não está. E nem sei que hora vai chegar. - desligou o telefone, irritada.
Poucas coisas faziam a senhorinha ficar zangada. Uma delas era o Seu Nestor. Um idoso que se achava, segundo ela, a última bolachinha recheada do pacote. Vivia fazendo musculação, correndo, cuidando do corpo e dando em cima de todas as mulheres que olhassem para ele. Nos últimos tempos começou a frequentar os bailes e perseguir Dona Leocádia que era muito bonita e vistosa.
O pior era que ele, nos dias de sol, sentava numa cadeira dobrável só de calção e tênis na Redenção bem onde ela passava para fazer sua caminhada. Dona Leocádia estava pensando em mudar o trajeto só para não cruzar com o Seu Nestor, "aquele inconveniente" pensava ela.
Ela gostava de ir pro baile e dançar. Lá de vez em quando ela trocava um chamego mas não passava disso. E o Seu Nestor desde que a conheceu, ficava insistindo para saírem, para irem ao cinema, para jantarem. No baile ele tirava ela para dançar e ela ia.... uma vez, mas só porque a dama segundo mandam os bons costumes não pode recusar, tem que dançar ao menos uma música com quem pedir.
Ela não entendia porque essa insistência do Seu Nestor a irritava tanto. Sendo assim, depois dessa ligação, ela iria caprichar, colocar o melhor vestido, deixar o cabelo e a maquiagem impecáveis, só para dançar com os outros na frente daquele velho chato.
Chegada a hora, frio na barriga fora do normal. Entrou no baile, foi para a mesa de sempre com as amigas, procurou Seu Nestor com os olhos e não encontrou.
Começaram as danças, Dona Leocádia como sempre não parava sentada. Alguns pé de valsa conseguiam mais que uma dança, e o tempo ia passando. Ela não queria mas estava estranhando a ausência do chato do Seu Nestor. 
Voltou para a mesa e assim que serviu seu guaraná, apareceu aquela mão, aquele perfume que ela conhecia pedindo uma dança. Quando ia olhar para cima pronta para resmungar, percebeu que Seu Nestor pediu à amiga dela para dançar. E foram... quase gastaram o salão. Dançaram várias músicas.
Seu Nestor nem olhou para Dona Leocádia.
E isso se repetiu por uns três bailes. Cada baile novo, nova companheira de dança. E ele parecia nem saber da existência da jovial senhora.
Ela começou a sentir ciúme. Sim! Ciúme... falta da atenção desmedida que ele antes dava para ela. Nem no parque naquele horário ele aparecia mais. 
Tomou coragem, num outro baile no intervalo das músicas e procurou Seu Nestor. Perguntou:
- Seu Nestor, por que o senhor está me ignorando?
- Olha Leocádia, eu desisti. Você é tão linda, tão querida por todos. Não iria dar atenção para qualquer um com eu. Resolvi investir em mim e no pouco tempo que tenho pela frente.
- Se você quiser eu danço hoje, Nestor.
Dito isso, ao recomeçarem as músicas, os dois começaram a dançar e quando passaram pela mesa onde estavam as amigas da Dona Leocádia, ele deu uma piscada para elas que fizeram sinal de positivo e bateram palminhas. 
Ele tinha combinado com as amigas a artimanha de ignorar Dona Leocádia um tempo e elas toparam porque faziam gosto de unir esse casal. Dona Leocádia, intimamente intuía sobre a conspiração, mas admitiu que gostava do Seu Nestor. 
Hoje quando os netos vão visitar a vó, encontram também um avô adotivo saudável e bem disposto, carinhosamente apelidado de vô Gurizão.

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