terça-feira, 2 de agosto de 2016

Irri

Sugestão de título - Letícia Gobbi
Autoria do texto - Marilia Bavaresco

Numa cidadezinha de interior, longe de tudo e de todos, havia apenas uma escola. 
Todos em época escolar, desde os mais abastados até os mais simplórios, eram obrigados a estudar nela. 
Ali se reuniam tanto os filhos de trabalhadores e agricultores como os filhos de gente "da alta" como eles mesmo diziam.
Como não podia deixar de ser, existia uma divisão de grupinhos dentro de cada sala de aula, sendo que na maioria das vezes ficavam os mais "endinheirados" contra os mais humildes.
Desde os primeiros dias de aula daquele sexto ano, a tal divisão era evidente. Estudavam nessa classe as filhas de gente muito rica da cidade. Letícia, filha de
um industrial de tecidos finos; Charlene, filha de um pecuarista e industrial alimentício; Janaina, filha de em um empresário do ramo de basalto; Aline, filha de um industrial vitivinicultor; Fernanda, filha de um empresário do ramo cooperativista; Taline, filha do empresário exportador de basalto; Luana, filha duma empresária super famosa do ramo de festas; Michele, filha de um alto executivo de uma empresa imobiliária; Marilia, filha de um banqueiro que preferiu deixar sua família mais segura na cidade pequena; Daniela, filha de uma empresária muito badalada do ramo dos cosméticos; Vanessa, filha de uma rica empreendedora da alta costura; Alessandra, filha de um senador que também preferiu deixar a família na pequena cidade em segurança. 
Elas formavam um grupo apelidado de "As Doze Odiadas" que chegava arrepiar os professores e colegas. Sempre combinantes, na última moda, olhando as pessoas de cima, tinham na líder Letícia uma guia das aprontações.
Naquele ano, um jovenzinho do interior, da Linha Sétima, entrou para essa classe. E sofreu!
No primeiro dia, como era de praxe, todos tiveram que se levantar e se apresentar para a turma. A cada aluno se ouviam comentários e risadinhas, especialmente vindas daquele grupinho de dondocas mal educadas.
Estavam se apresentando em ordem de classes e como o tal menino estava bem no cantinho da sala, foi o último. Quando ele se levantou, a professora falou simpática:
- Olá, você é novo por aqui. Te apresente para os teus colegas!
- Oi zênte! Eu sou o Irri!!
Foi aquela gargalhada. O pobre rapazinho ficou vermelho, olhando pro chão.
A professora perguntou:
- Oi Irri, seja bem vindo. Mas teu nome é só Irri ?
- Nón. Meu nome é Irri de Irrineo.
Já começou mal, todo mundo pegando no pé do moço. 
Conforme iam avançando nas séries As Doze Odiadas ficavam mais insuportáveis e o Irri sofrendo...
Houve um dia ensolarado em que essas mesmas moças passaram de carro pelo Irri a pé indo em direção à cascata (ponto turístico do município)... todas começaram a gritar, a rir e falar besteiras para ele. Devido à estrada ser de chão, o peso do carro estar grande, o pneu furou. E elas tiveram que pedir ao colega que se aproximava a caminho da sua casa. Ele ajudou, elas embarcaram no carro e saíram sem agradecer. Muito pelo contrário, passaram a fazer piadas sobre o fato.
E assim foi, cada vez pior, até que acabassem o Ensino Médio que na época era conhecido como Segundo Grau.
O tempo passou, cada qual seguiu seu caminho. As dondocas migraram para a cidade grande e o Irri permaneceu nas terras de seu pai, trabalhando e ajudando de sol a sol no serviço pesado da colônia.
Mas o destino é traiçoeiro, e cada uma delas viu os pais perderem tudo o que tinham, de um jeito ou de outro. Tiveram que ralar para conseguirem pagar as contas e ainda, ajudarem as famílias falidas. 
Quando voltaram a se reunir 30 anos depois, resolveram fazer um encontro naquela cidadezinha, num restaurante que ali havia. Muitas risadas, muitas lembranças, muita lamúria por conta das penúrias que cada uma delas estava passando financeiramente.
De repente o garçon pediu licença que o estavam chamando. Elas ficaram
curiosas sobre o porquê da pressa. Ele falou que estava chegando ao restaurante o granjeiro mais rico e bem sucedido de todos os tempos naquela cidade.
Curiosas elas ficaram observando a entrada.
Numa roupa super alinhada, impecável, com uma mulher maravilhosa ao lado entrou ele, o Irri. Elas perguntaram ao garçon o nome daquele homem, só para confirmar.
- Ele é o Irri! Seu Irrineo Matiello. O cara mais gente fina e mais rico do país. Ele vem de vez em quando comer aqui e apesar de toda sua grana ele sempre está presente, ajudando a cidade.
Acabando de falar isso o garçon se deu conta de uma mão no seu ombro. Era o próprio Irri.
Olhou para as mulheres ali sentadas e as cumprimentou uma a uma.
Depois virou para o garçon e disse:
- Coloque a conta dessa mesa no meu nome. Até logo senhoras.
Admiradas com tal gesto, cochichando entre si escutaram a antiga mentora Letícia dizer:
- Que colega que tu me saiu heim, Irri? 

* os fatos foram adaptados e modificados; as histórias de cada um também: o verdadeiro protagonista é um empresário colonial de produtos feitos por ele mesmo e as gurias estão vivendo suas vidas. Elas nunca formaram uma gangue e são freguesas do Irri hoje em dia.


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