terça-feira, 6 de setembro de 2016

O Bom, O Mau e O Feio

Título sugerido por Antônio Cruz
Texto escrito por Marilia Bavaresco

Jari era um cara esquisito, parecia o Clint Eastwood no filme O Bom, O Mau e o Feio. Estava sempre de cara amarrada e no trabalho ele era de poucas palavras.
O pessoal do banco jogava futebol todas as terças e quintas depois do expediente no ginásio de esportes da prefeitura da pequena cidade. Já saiam com suas sacolas e iam direto pro jogo. 
O Jari sempre, desde que começaram a jogar, foi zagueiro. Com aquela cara de malvado, aquele olhar fulminante, deixava os centroavantes e pontas atordoados. Mas não jogava muito bem... ele costumava bater para machucar os adversários e metia medo com sua marra natural.
Nestes anos todos já tinha sido ameaçado diversas vezes de ser cortado do time do banco. O pessoal percebia que ele tentava se controlar. Mas mesmo assim, em todos os jogos ele se desentendia com alguém, sobrando até uns pescoções de vez em quando.
Ocorre que começou na agência um novo gerente adjunto, o Sérgio, muito jovem e muito tranquilo. De cara já socializou com todo mundo e foi convidado a jogar com o time do banco. Ele adorou e no dia combinado lá estava com seu fardamento feliz por estar sendo integrado. 
O Jari, que não gostava de novidades, não mostrou os dentes para o Sérgio. O jogo começou e o novato estava no time oposto ao dele, jogando no ataque. O cara era realmente muito bom driblador e o Jari ficou injuriado porque duas vezes seguidas o rapaz deu um chapéu nele, deixando-o atordoado, atingindo a meta. Muitos gritos entusiasmados dos colegas de time e palmas de todos. Menos do Jari.
Ao contrário dos demais, ele foi pegando ganas do Sérgio. Parecia que o outro fazia de tudo para esnobá-lo, para conquistar o seu espaço, ser querido pelos colegas.
Na cabeça do Jari começavam a surgir ideias sinistras com requintes de crueldade para dar cabo do Sérgio. Boa parte do tempo que passava no trabalho, ficava arquitetando
um plano de vingança.
Uma noite, depois do expediente, em casa e sozinho, pois era solteiro e não tinha família, ele teve ideia de assustar o colega playboy
Ligou do orelhão na frente da sua casa para o celular de Sérgio, que atendeu depois de dois toques. Saiu falando:
"Te cuida magrão! Vou te matar!" e desligou. Saiu correndo para dentro de casa com medo de flagrante.
No dia seguinte ficou observando mas o Sérgio não aparentava estar com medo nem receoso. Ao contrário, contava alguma coisa para um grupo de caixas do banco e riam muito. Jari foi chegando perto e escutou:
- Imagina se vou ter medo de ligação anônima. Aqui todos se conhecem e eu sei quem me ligou.  
Nesse instante Jari sentiu um calafrio, mil coisas passaram por sua mente: "Como assim ele sabe quem foi? Onde foi que eu errei? Mas foi só um trote..." - levantou os olhos e deu de cara com o olhar sorridente de Sérgio.
Voltou apressado para sua mesa.
Na mesma noite, futebol. Times armados, os dois em campos opostos. Jari pensou consigo mesmo: "Vou me cuidar. Não vou bater em ninguém. Vou ficar na minha!". Mas quando o apito soou, no primeiro ataque Sérgio veio para cima dele e Jari foi vítima instantânea do drible perfeito do colega. Ficou tão furioso que meteu um carrinho no colega e os dois foram para o chão. Jari embaixo e Sérgio em cima. Nesse minuto Sérgio olhou nos olhos de Jari, falou bem baixinho "relaxa!" e tascou um beijo na boca do zagueiro.
Ao se levantarem, o Jari injuriado e Sérgio rindo muito com todos os demais colegas, dizia: "- Deixa de bobeia cara, eu gosto muito de ti e de todos, vamos ficar em paz e jogar nossa bolinha!"
Jari tirou a camisa e saiu enfurecido e envergonhado do campo. Foi para casa enquanto os outros continuaram o jogo. Naquela noite não conseguiu pregar o olho... 
No dia seguinte ligou para a matriz e pediu uma licença saúde que emendou com as férias, totalizando uns 40 dias de afastamento. Precisava se distanciar e pensar. 
Contam que o Jari voltou mudado. Nunca mais foi o mesmo. Ficava na sua mesa olhando o  Sérgio de longe, com olhar perdido. Nem no futebol ele ia mais, só sentava na arquibancada e ficava admirando os dribles e jogadas perfeitas do colega atacante. De vez em quando dizia baixinho:
- Ah! O Sérgio!!!!!... - e suspirava.

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